domingo, 17 de julho de 2011

Senhora




E a pagina em branco continua aparecendo na minha frente. Como a velha senhora que persegue meus pensamentos. Ela deve ter perto de oitenta anos. Mora num bairro cheio de ladeiras. Adora bromélias e bandeiras. Tem bandeira de todos os países na sua sala. Ela mora sozinha. S’o como o cão. Ela almoça aspargos porque os acha bonitos. Ela mastiga chicletes para se sentir mais jovem. Seu telefone não toca. Não sabe mais porque tem telefone. Suas emergências são tão ignoradas! Ela quase pede que eu escreva sobre ela. Sabe costurar, mas nada rasga na sua casa. A televisão quebrou há muito. Sua vista não permite que leia livros. Não gosta de musica. Sua vida foi estática, sem harmonias.
Já escrevi sobre ela quando estava no colégio, mas ela continua aqui. Sessao de analise.
Sua garganta secou de tanto não falar. Não vê beleza no amanhecer do dia, quando já esta acordada, a senhora que não dorme. Quando surgem estrelas, ela não levanta a cabeça para vê-las. Raramente abre a janela do pequeno apartamento sala e quarto que ganhou um dia de um homem.
O homem era rico. Se engraçou por ela. Mas durou pouco. A senhora já era senhora desde jovem. Um sentimento nela era forte: o ciúme. Foi a única coisa que doeu em seu coração. Nunca chorou por outra razão. Queria o homem. Queria dormir com ele e que a desse um anel. Ficou com um apartamento por pena, que o homem que partiu, sentiu. Depois disso ninguém mais.
Sua higiene e’ neurótica. A senhora esta sempre limpa. Mas não usa perfumes. Não tem penteadeira, batons ou um velho colar de perolas. Não tem jóias. Não brilha. Usa meias pretas, tem os pés longos e as unhas sempre cortas rente `a pele. Os cabelos, ela mesmo corta. Curtinhos. Lava as mãos com sabonete e desinfeta com álcool. Seu sofá ‘e marrom. Tem muitos anos, mas esta novo porque nunca foi sentado. Sua cama e’ como a de um convento. De ferro, colchão duro e uma coberta antiga. S’o. Seu guarda roupas resume-se a seis trocas de roupas. E dois sapatos fechados com cadarços pretos.
Nas poucas vezes em que sai, leva um guarda chuva. Não olha para ninguém na rua. Não levanta a cabeça. Mede cada passo. Compra provisões monásticas e volta para o apartamento onde fica.
Ela pensa. Pensa que não quer nada do futuro. Não conseguiu nada no passado. E no presente ela nada.
Acho que no final da historia essa senhora vai morrer.

2 comentários:

Mi. disse...

Lindo e triste. Até na tristeza voce consegue fazer poesia. Sequencial,direto, sem cerimônias prá matar a velha no final. Mas, ela foi tão forte nas suas palavras, que não vai morrer prá quem te leu.

JULIANA disse...

Moro com uma quase assim... ela quer morrer, mas parece que quanto mais ela quer mais tempo levará para ir...